QUE HISTÓRIA É ESSA? VLADIMIR HERZOG: ASSASSINATO OU SUICÍDIO?
"...Poderosos e dominados estão perplexos e hesitantes,impotentes e angustiados. Contendo justos gestos de ódio e revolta, taticamente recuando diante de forças transitoriamente invencíveis. Um dia os tempos serão outros. Diante de um homem morto, todos precisam se definir. Ninguém pode permanecer indiferente. A morte de um amigo é a de todos nós. Sobre tudo quando é o Velho que assassina o Novo." Gianfrancesco Guarnieri, Ponto de Partida, 1976.
Vlado Herzog, nasceu em 1937 na Croácia e morreu em 1975 em São Paulo. Naturalizado brasileiro, foi jornalista, professor e dramaturgo. Considerava seu nome muito diferente, então passou a assinar como Vladimir. Vlado militou com o Partido Comunista Brasileiro, atuando no movimento de resistência contra a ditadura militar, de 1964 a 1985, e seu nome tornou-se uma figura central na tentativa de restauração da democracia. Formou em Filosofia na Universidade de São Paulo, em 1959, e começou sua carreira de jornalista como repórter de O Estado de S. Paulo. Trabalhou na Tv Excelsior, Tv Visão, Tv Cultura, BBC de Londres, na Fundação Armando Álvares Penteado e Escola de Comunicações e Artes da USP, lecionando aulas de jornalismo. Ele casou-se com Clarice Herzog, publicitária, e teve dois filhos.
Em 24 de outubro de 1975, Herzog era diretor de jornalismo da TV Cultura, e o exército o convocou para depor sobre sua relação com o Partido Comunista Brasileiro, considerado ilegal. Herzog foi até o local e prestou depoimento sob sessão de tortura, junto com George Benigno Duque Estrada e Rodolfo Konder, também jornalistas.
No dia 25 de Outubro Vladimir foi "encontrado enforcado com o cinto de sua própria roupa". É isso o que dizia a causa oficial do óbito que os órgãos de repressão da época divulgaram: Suicídio por enforcamento. Entretanto, a sociedade acredita que a morte foi resultado de tortura, suspeitando dos servidores do DOI-CODI, que colocaram o corpo de Vladimir na posição encontrada, e depois fotografaram. Porém há equívocos nas fotos divulgadas, já que mostram que ele se enforcou com um cinto, e não há cintos com os prisioneiros do DOI-CODI, também as pernas estão dobradas e há duas marcas de enforcamento no seu pescoço, o que mostra o estrangulamento. Após três anos da morte do marido Clarice responsabilizou a União, judicialmente.
"Na época, era comum que o governo militar ditatorial divulgasse que as vítimas de suas torturas e assassinatos haviam perecido por "suicídio", fuga ou atropelamento, o que gerou comentários irônicos de que Herzog e outras vítimas haviam sido "suicidados pela ditadura". Em sentença histórica, responsabilizando a União pela morte, em outubro de 1978, o juiz federal Márcio Moraes pediu a apuração da autoria e das condições da morte. Entretanto nada foi realizado" (Luiza Villaméa. "Memória e Silêncio". 28.Set.05. Isto É).
Após o AI 5, em 1968, estudantes da USP, PUC E FGV fizeram greve o primeiro grande movimento da sociedade civil contra a ditadura foi uma missa ecumênica na Catedral da Praça da Sé, para protestar a morte de Herzog. De família judaica, Herzog foi enterrado no cemitério Israelita, o que supostamente não poderia acontecer, já que suicídas não são enterrados em cemitérios judeus. Assim, este ato e a missa tornaram-se atos contra a ditadura. Apesar da Praça ser tomada por policiais, expressando a repressão com bombas de gás lacrimogênio, a missa aconteceu normalmente com mais de oito mil pessoas que gritavam pela democracia. A morte de Herzog fortaleceu o movimento pelo fim da ditarua militar brasileira. Intelectuais, atores, jornalista e o povo persistiram na resistência. A imprensa munidal protestou e se mobilizou para garantir os direitos humanos. O Instituto Vladimir Herzog foi criado em 2009, e objetiva: organizar material jornalístico sobre Vladimir, promover debates sobre o papel do jornalista, e ser responsável pelo Prêmio Jornalistico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.
Em 27 de outubro de 1978, em sentença judicial, o juiz determinou retomar as investigações, em ação judicial que Clarice responsabilizava o estado pelo homicídio do marido.
A família do jornalista, "requereu à Comissão da Verdade a reabertura da investigação sobre a morte de Vladimir Herzog ", pediu o cumprimento da ordem judicial que na época foi ignorada. E então em 27 de agosto a Comissão da Verdade recomendou modificar o atestado de óbito de Herzog.
Em São Paulo, no dia 23/09/12 , o juiz Márcio Martins Bonilha Filho, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou a retificação do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog. O motivo da morte passou de "asfixia mecânica" para “morte que decorreu de lesões e maus-tratos sofridos na dependência do II Exército de São Paulo (DOI-CODI)”. O juiz destacou que a Comissão da Verdade conta com respaldo legal para praticar atos compatíveis com suas atribuições, dentre os quais “a reconstrução da história”.
Segundo o jornalista Sérgio Gomes, Vladimir Herzog é um "símbolo da luta pela democracia, pela liberdade, pela justiça."
A seguir, uma matéria de Celso Miranda, sobre os últimos momentos de Vladimir:
Vladimir acordou mais cedo que de costume no sábado, 25 de outubro de 1975. Fez a barba, tomou banho e se despediu da mulher Clarice, ainda na cama, com um beijo. (...) Depois que entrou no DOI, Vlado trocou de roupa e vestiu o macacão dos presos. Ainda pela manhã, foi acareado com dois presos. Com as cabeças cobertas por capuzes de feltro preto, eles não podiam se ver. Mas um deles, Leandro (Leandro Konder), reconheceu o amigo: “Empurrei a borda do pano e vi o preso que chegava. Eu o reconheci pelos sapatos: eram os mocassins pretos que Vlado usava.” Nessa hora, Vlado negou que pertencesse ao PCB e Konder e o outro preso foram retirados para um corredor, de onde ouviram os gritos de Vlado e a ordem para que fosse trazida a máquina de choques elétricos. “Os gritos duraram até o fim da manhã. Os choques eram tão violentos que faziam Vlado urrar de dor”, diz Konder. Um rádio foi ligado em alto volume para abafar os sons. Meia hora depois, por volta das 11h, Vlado foi para a sala de interrogatórios. “Mais ou menos uma hora depois, me levaram a outra sala onde pude retirar o capuz e ver o Vlado. O interrogador, um homem de uns 35 anos, magro, musculoso, com uma tatuagem de âncora no braço, mandou que eu dissesse a ele que não adiantava resistir”, lembra Konder. Vlado estava com o capuz enfiado na cabeça, trêmulo, abatido, nervoso. Sua voz estava por um fio. “Fui obrigado a ajudá-lo a redigir uma confissão que dizia que ele tinha sido aliciado por mim para entrar no PCB e listava outras pessoas que integrariam o partido.” Konder foi levado e os gritos recomeçaram. Essa foi a última vez que Vlado foi visto e ouvido. “No meio da tarde, fez-se silêncio na carceragem”, diz George Duque Estrada que também estava preso no DOI, em relato no livro Dossiê Herzog – Prisão, Tortura e Morte, de Fernando Pacheco Jordão.
Matéria de Celso Miranda no Guia do Estudante da Editora Abril: (Celso Miranda. Vladimir Herzog: Mataram o Vlado de 01/10/2005 00h00)
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